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domingo, 7 de abril de 2013

Os 20 anos das mil e uma noites...


Sempre que posso, leio “As mil e uma noites”. Acho incrivelmente fantástica a artimanha de Xerazade, que para se livrar da ira do sultão (traído pela primeira esposa, resolve casar, a cada noite, com uma mulher diferente, para matá-la a cada amanhecer), começa a contar histórias “agradáveis e belas”, cujo desfecho, permanece sempre em aberto: “Isso não é nada comparado ao que irei contar-lhe na próxima noite, se eu viver e for preservada”...   
Jorge Luis Borges, no ensaio sobre este livro, faz questão de destacar a beleza do título: “É um dos mais belos do mundo... pois está no fato de que para nós a palavra ‘mil’ é quase sinônima de infinito. Dizer mil noites é dizer infinitas noites, as muitas noites, as inúmeras noites. Dizer ‘mil e uma noites’ é acrescentar uma ao infinito...”.
Nietzsche dizia que a arte existe, para que a verdade não nos destrua. E a verdade é que todos nós, um dia, morreremos. Esta é a mais certa de todas as verdades! A não ser que consigamos fazer como Xerazade, que contando histórias, consegue vencer Tânatos, consegue viver eternamente... A não ser que consigamos fazer como Beethoven, que através da sua Nona sinfonia, mesmo surdo – consegue enganar a morte - e continua vivo até hoje; A não ser que consigamos fazer como Cristo, que veio ao mundo apenas para amar e dizer a mais bela e simples frase, que resume toda a nossa existência: “Amai o próximo como a ti mesmo!”.
Portanto, caro leitor, todas essas pessoas - que conseguiram driblar a morte e enganá-la-, tinham em comum a mesma coisa: amavam o que faziam... Veja a mensagem que Drummond, no inicio do seu belo poema “A quadrilha”, quis passar: “João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém.”. Enquanto havia amor entre os personagens, não havia necessidade de vírgulas ou pontos, pois não havia pausa e nem fim: a vida era eterna! Mas aí, Lili resolveu não amar ninguém e o Poeta de Itabira teve que colocar um ponto final. A corrente se desfez, e o fim chegou.
Ensinar é um ato de amor. “Não é possível ser professor”, alertava Paulo Freire, “sem amar os alunos e sem gostar do que se faz!”. Por isso, acredito que Amor e Fé, talvez sejam as únicas coisas que, verdadeiramente, valem a pena passar para os nossos alunos.
Como?! Vou explicar, caro leitor! Vou explicar... Era domingo à noite. Estava de plantão no Hospital Luiz Antônio, toca o telefone: “Dr. Edilson, tem um médico do interior querendo falar com o senhor!/ Alô?!/ Pois não!/ Eu gostaria de falar com o medico de plantão.../ Pode falar, é Edilson Pinto!/ Professor!!!/ Quem falar?!/ É João Carlos!/ Oi, meu caro, a que devo a honra?!/ Sabe o que é professor: estou aqui no interior, com o paciente da LIGA, portador de neoplasia de próstata, com diabetes descompensada e já fiz tais e tais condutas, mas ele precisa de internamento, como devo proceder?!/ Olha, pode encaminhar que eu vou reservar um leito, para interná-lo./ Muito obrigado, professor!/ Até a próxima, João!”.
Até aí não há nada demais nessa história, não é caro leitor? Mas, duas horas depois, chega o paciente, ao CSO da LIGA. E antes mesmo de começar a anamnese e exame físico, os familiares se dirigiram a mim, dizendo: “Doutor, o médico lá do interior diz que conhece o senhor, é verdade? Olha, vou falar... até hoje não vi médico mais atencioso... espero que o senhor seja parecido com ele”. Após, ter prometido aos familiares que iria me esforçar para não decepcioná-los, ri e chorei de alegria, afinal, estava também compondo o meu poema: “ERNANI Rosado ALDO Medeiros FRANCISCO de Lima CELSO Matias CARLOS Formiga FERNANDO Suassuna LUIZ Alberto IAPERÍ Araújo CARLOS Dutra STÊNIO Silveira e Francisco Carlos LA GAMBA que amavam Edilson Pinto que amava João Carlos que amava seu José”...
Pensas que o poema parou aí, caro leitor?! Não! Quarta-feira, da mesma semana, toca o celular e aparece, no WhatsApp, uma foto com a seguinte mensagem: “Professor! Veja o que sua aluna Karol foi capaz de fazer... É a sua aula de ontem, sendo colocada em prática. Abraços, Rafael Rosas (Professor da UnP)”. E assim, o poema continuou, não é caro leitor: “SÍLVIA Fonseca BERNADETE Cordeiro FÁTIMA Azevedo ANA Maria DALVA Araujo MARIA do Carmo MARIA Willions YVELISE Castro e IARA Marques que amavam Edilson Pinto que amava Rafael Rosas que amava Karolynne que amava seu João”...
Pensas que o poema parou aí, caro leitor?! Não! No dia seguinte, na quinta feira, recebo o email, do meu fiel e bom companheiro, Bruno Pessoa: “Caro professor, segue o texto inaugural do nosso novo blog: Veredas Médicas. Espero que aprecie a empreitada:(http://veredasmedicas.blogspot.com.br/2013/03/boi-com-sede-bebe-lama.html)”;  e assim, o poema continuou: “COQUINHO (História) HELDER e AUGUSTO (Matemática) JOCA (Biologia) PONTES (Física) Reinaldo RONDINELLI (INCA) Francisco REZENDE (INCA) e Alfredo GUARISCHI (INCA) que amavam Edilson Pinto que amava Bruno Pessoa que amava o seu pequenino paciente”...
Caro leitor, eu poderia passar toda a eternidade contando essas histórias de ex-professores e ex-alunos meus... E o mais interessante é que eu nunca poderia imaginar que, no dia 25 de março de 1993, há exatos 20 anos, ao assinar o meu contrato de Professor auxiliar I na UFRN, estava conseguindo driblar a morte, pois estava colocando mais um dia, nas minhas “mil noites”; colocando mais um dia ao infinito...
P.S. Dedico esse artigo a todos os meus mestres do Colégio Salesiano, da Faculdade de Medicina da UFRN, das residências médicas dos hospitais de Bonsucesso/Instituto Nacional de Câncer e, principalmente, aos meus mais de 2000 mil alunos, que tive o privilégio e o prazer de ensiná-los, nestes 20 anos de magistério...

Francisco Edilson Leite Pinto Junior – Professor (que enganou a morte), médico e escritor.

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