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domingo, 3 de março de 2013

A maior lição da minha vida


Francisco Edilson Leite Pinto Junior – Professor, médico e escritor.

Só a pessoa livre consegue amar...

Em um final de semana de setembro de 1966, meu pai estava andando em um jipe, sem capota, na praia de Tibau, em Mossoró. De repente, ele se desequilibra, cai, fratura o crânio e morre aos 33 anos de idade. Minha mãe tinha 24 anos e três filhos para criar, sendo o menor com três meses: eu.

Imagine então, caro leitor, como foi a nossa infância... E três coisas me espantavam naquela época: a ausência do meu pai; a ausência da minha mãe - professora do ensino médio, que dava três expedientes; saía de casa pela manhã e só voltava à noite. Às vezes, só a víamos no domingo -, e a nossa biblioteca. Lá em casa podia faltar tudo, menos livros, que ficavam espalhados por todos os lados.

Os anos se passaram e os embalos de sábado à noite chegaram... e com eles, vários modismos: discoteca, cabelo com brilhantina, jaqueta de couro preta, patins, etc. etc. Nessa época, mudamos para Natal, passei a morar com a minha tia (minha segunda mãe). A janela do meu quarto dava para o Aeroclube. Lá existia uma quadra de patinação. E ao toque dos “Bee Gees”, eu via os adolescentes flutuando de um lado para o outro, em cima de duas rodas, os patins.

Adolescente, naquela época, ainda não sabia que a pior dor que existia, era a dor da comparação. E eu queria saber por que eu não tinha os meus patins... Pedi, mas foi negado! Então, resolvi ser mais persuasivo: fiz uma greve de fome interessante – não comia nada pela manhã, para, literalmente, assaltar a noite a geladeira, enquanto todos dormiam... Tudo valia a pena se a fome não era pequena, para adquirir o meu desejo de consumo: os patins.  Depois de quatro dias, minha mãe ficou preocupada. Entrou no meu quarto, sentou à minha frente e, olho no olho, disse: “Meu filho, nós não temos dinheiro para comprar o que você quer. Mas, veja que todo esse meu esforço tem uma finalidade: eu vou lhe dar o maior bem que ninguém, nenhum governo, nenhuma pessoa, por mais poderosa que seja, poderá lhe tirar: eu vou lhe dar o conhecimento. E sabe pra que ele serve? Pra que você seja sempre respeitado; para que você adquira o respeito dos iguais!”.

Trinta e três anos se passaram dessa conversa e até hoje, eu agradeço a minha mãe pela maior lição da minha vida: “o conhecimento, para adquirir o respeito dos iguais!”. Francis Bacon dizia que “conhecimento é poder”. No entanto, acredito que seja muito mais do que isso: conhecimento é responsabilidade; conhecimento é imaginação; conhecimento é liberdade; conhecimento é respeito.

Assim, logo aprendi que para ser respeitado, o primeiro mandamento é respeitar a si mesmo: respeitar as suas convicções, respeitar os seus sonhos, respeitar os seus princípios, não se vender a nenhum cargo e nem a nenhum vil metal... Respeitar a si mesmo é também ser livre.

Não era à toa que Nelson Rodrigues dizia que a liberdade era mais importante do que o pão! Já que o homem livre pode até ter medo, mas esse medo não o paralisa, pois ele deve estar sempre em consonância com a sua consciência, com o seu coração. Tem razão o poeta Gilmar Amorim: “As algemas da alma são piores do que a do corpo”.

“O medo tem alguma utilidade, a covardia não!”. Portanto, eu sei os riscos que se corre por tentar ser livre... Sócrates pagou com a sua vida, por isso; Gandhi, através da sua política da não violência, sofreu na carne, agressões e prisões, por querer libertar a Índia do julgo Inglês; e mesmo assim ele pregava para os seus seguidores: “Um homem não pode fazer o certo numa área da vida, enquanto está ocupado em fazer o errado em outra. A vida é um todo indivisível”.

Sou professor, há 19 anos, 11 meses e cinco dias. Hoje eu sei - e graças ao meu ex-aluno Felipe Fonseca, que descobriu o meu segredo-, que fui fazer medicina primeiro, só para depois tornar-me professor, por acreditar que ensinar é também fazer medicina, pois tratamos da pior doença que existe: A IGNORÂNCIA DA ALMA. E mesmo alguns dizendo que nunca aprenderam nada comigo (até agradeço-os, pois “toda unanimidade é burra!”), eu sei que eu sempre serei um professor...

E “se todo trabalho é vazio”, como diz Khalil Gibran, “exceto quando há amor”, eu tenho plena consciência de que toda lição do professor é vazia, se o seu discurso não corresponder com a ação.  Algumas vezes sou criticado por ter abandonado certos caminhos, mas aprendi também que ensinar é um ato de amor, e o amor só faz sentido se for recíproco. E eu sei também que muitas vezes por amar demais - e parece que “quem ama demais não ama o bastante”- somos considerados “Personae non gratae”...

No mundo do ensino há muitos abismos, há muitas matas escuras... mas, em respeito ao meu passado, em respeito  a mim mesmo e, principalmente, em respeito aos meus alunos, gostem ou não, eu sempre passarei a maior lição que aprendi na minha vida dada pela minha mãe, pois esta lição permanece sempre atual. Hoje, os médicos são verdadeiros escravos. Vendem a sua alma aos planos de saúde e perdem a sua saúde; vendem a sua alma para próteses, órteses, laboratórios, etc. etc. e perdem a capacidade de continuar se olhando no espelho, sem se envergonhar de si mesmo...

Muito obrigado, D. Gigi, pela sua lição!

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