(Baseado em Felipenses 4.6)
Públio José – jornalista
(publiojose@gmail.com)
A tradução do versículo bíblico utilizado nesta reflexão tem a seguinte grafia: “não vos afligis de coisa alguma”. Outras versões dizem “não estejais inquietos por coisa alguma”; em outras o termo empregado é “apreensivos”; em outras o adjetivo “perturbados”; em outras o adjetivo “ansiosos”. No entanto, independente da palavra resultante da tradução, o conteúdo enfatiza: nada merece a sua aflição, mesmo que a dor, por intensa que seja, ultrapasse limites suportáveis. A afirmação feita pelo apóstolo Paulo, em carta dirigida aos cristãos de Filipos, surpreende pelo absolutismo empregado. No texto o missivista expressa, de forma bem clara, que nada (mas nada, nada mesmo) deve lhe abalar. A perplexidade ocorre, além do mais, ao considerarmos que o enunciado fala de aflição, apreensão, inquietação, angústia, manifestações da alma que machucam o ser humano, sem solução, desde os primeiros tempos.
Daí como não se afligir se a realidade à sua frente lhe leva à aflição, à ansiedade exagerada? Ou, por outra, como resistir à onda aflitiva que lhe alcança se você não tem elementos para enfrentá-la? Ou tem? Tem – pela firmeza empregada pelo escritor. Por ele, saídas existiriam; alternativas estariam disponíveis. Quais? Pelo texto, que autoridade teria Paulo de exortar os cristãos da cidade de Filipos a não se abalarem “em função de coisa alguma”? Qual a solução que apresentava para dar firmeza e autenticidade ao que propunha? A questão é substantiva, uma vez que o dicionário trata o termo aflição como grande sofrimento, dor profunda, tormento, ânsia, angústia, estados de espírito nada fáceis de administrar. Por outro lado, nos dias atuais, prospera a todo vapor uma nova ordem que tenta dar rumos novos aos efeitos dos fatos que levam boa parte da população a viver alarmantes níveis de aflição.
Logicamente na busca de vantagens comerciais. Hoje, sabe-se da existência de um formidável segmento empresarial em torno do estresse: indústria farmacêutica, alimentar, consultórios psiquiátricos, academias de ginástica... (Estas entronizando um culto ao corpo de fazer inveja aos nossos antepassados gregos). Agora, o estado aflitivo é chamado estresse. Afinal, não é vendável tratar alguém por aflito; mas é charmoso enquadrá-lo como estressado. E o estresseis do título acima tem em comum o quê com aflição? Tudo! Pois o estresse traz em si os mesmos sintomas da aflição: ansiedade, angústia, dor, mágoa... Constituindo-se, portanto, em aflição de alta voltagem e apresentando um detalhe preocupante: enquanto aflição encarna o lado negativo de um estado de descontrole emocional – mesmo que sob aparente controle – o estresse ganha a aura de charme, glamour, fervor pessoal/profissional edificante.
Hoje, quando se diz que tal pessoa está estressada, é sinal de dedicação, de zelo àquilo que faz. Na verdade, aflição e estresse são “farinha do mesmo saco”. E o pior: matam e infelicitam igualmente. Voltemos ao apóstolo Paulo e à sua exortação. A carta, provavelmente escrita da prisão, foi um gesto pessoal de gratidão e alegria pela ajuda dos irmãos de Filipos em momentos difíceis de sua ação missionária e objetivava manter os filipenses firmes na fé diante da intensa perseguição. Era também elemento de consolo ao próprio missivista, àquela altura preso e certamente destinado à morte. Portanto, autoridade não faltava a Paulo para dizer: “não vos afligis de coisa alguma; antes, as vossas petições sejam em tudo conhecidas diante de Deus, pela oração e súplicas, com ação de graças. E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os vossos corações e os vossos sentimentos em Cristo Jesus”.
Ficou claro? Vejamos. A exortação tem um primeiro passo (antes), um segundo passo (durante) e um terceiro (depois). O primeiro está bem claro no texto (antes): “antes, as vossas petições sejam em tudo conhecidas diante de Deus”. Ou seja, antes da aflição lhe dominar ore a Deus, entregue sua dor a Ele. O segundo passo refere-se à oração, à comunhão com Deus. Até agora nada de estresse, de aflição. Ore. Ore. Depois celebre a ação de Deus (“com ação de graças”) pela fé. O terceiro passo é receber a paz de Deus, que excede, que vai além, que guarda seu coração em Cristo. Para ficar bem claro: antes de tudo entregue o problema a Deus. E confie; depois ore e celebre – pela fé – que a solução virá; por fim receba a paz, a paz que os incrédulos não conhecem nem entendem. Difícil? Nem tanto. É melhor ter Deus de parceiro no estresse do que arrancar os cabelos sozinho. E você ainda tem cabelos?
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