Públio José – jornalista
(publiojose@gmail.com)
“Incitatus”, o cavalo de Calígula, entre
outras regalias, tinha 18 servidores e colar de pedras preciosas no
pescoço. Foi incluído pelo imperador no rol de senadores (ou seja,
para todos os efeitos, para Calígula, “Incitatus” era uma
personalidade senatorial), além de cogitado para cônsul. A História
não esclarece os artifícios utilizados pelos homens da alta cúpula do
governo romano para demover o Imperador de seu extravagante projeto
político. O fato, porém, é que “Incitatus”, por muito pouco, não foi
alçado à condição de alto executivo da máquina administrativa de Roma.
Outro cavalo, “Mossoró”, vencedor do Primeiro Grande Prêmio Brasil, em
6 de agosto de 1933, quase foi carregado no colo pela vitória e virou
ídolo no Brasil daquele tempo. “Botafogo”, na Argentina de 1920, assim
chamado pela estrela na testa, era uma instituição nacional a ponto de
ser tido como “El caballo Del pueblo”.
A História também registra a importância que
“Bucéfalo”, o cavalo de Alexandre, o Grande, representou na vida do
conquistador. Seu nome provinha do agigantado formato de sua cabeça e
significava cabeça grande ou cabeça de boi. Com ele, Alexandre
mantinha um relacionamento todo especial, em reconhecimento à robustez
e às proezas que realizava, em batalha, como animal de alto
desempenho. “Baloubet Du Rovet”, montado por Rodrigo Pessoa, foi
alçado à condição de estrela de primeira grandeza do turfe pelo
tricampeonato mundial conquistado em 1998, 1999 e em 2000, além de
campeão olímpico em 2004. São inúmeros, portanto, os exemplos de
cavalos famosos, admirados, reverenciados, mimados em função do apego
de seus donos ou por admiráveis atributos demonstrados nas mais
diversas competições. Já acerca do jumento não consta nenhuma
celebração, nenhuma pompa semelhante.
Com seu passado ligado a conquistas militares
e a demonstrações de poder, autoritarismo e esquisitices de seus
proprietários, o cavalo herdou o estigma da força, da arrogância, ao
contrário do jumento – visto como símbolo de humildade e docilidade
devotado ao trabalho. É sintomática, assim, a opção feita por Jesus
pelo jumento todas as vezes que necessitou de animal de montaria, ao
contrário de Saulo, chamado assim antes da conversão. Segundo a
Bíblia, “Saulo, montado em seu cavalo, assolava os cristãos, invadindo
suas casas, oprimindo-os e enviando-os para a prisão”. Temos, então,
de um lado, Jesus e o seu evangelho – em um jumento; e, de outro,
Saulo – a cavalo – cruel no cumprimento de sua missão de caçador de
cristãos, despótico, intransigente e arrogante no plano pessoal. Entre
outros fatores, pelo fato de ser, entre os fariseus, um dos mais
profundos conhecedores da Lei – O Velho Testamento.
A opção pelo jumento não é tão singela quanto
parece – e está muito longe de registrar uma mera escolha de animais
de montaria. Sem proferir nenhuma palavra, Jesus propôs o caráter, a
visão espiritual, o procedimento ministerial que pretende dos seus
seguidores, ao se utilizar de um símbolo ligado à humildade para
impregnar suas mentes com a essência da sua mensagem. Seu gesto
representa também o desejo de ver acontecer no íntimo dos homens um
processo de mudança que os faça priorizar o despojamento, a
simplicidade, o altruísmo, a desambição. E Saulo é forte exemplo: em
viagem de perseguição aos cristãos, caiu do cavalo e converteu-se. De
Saulo perseguidor, passou a ser Paulo, o perseguido; de intransigente
defensor da Lei, a incansável e memorável pregador do Evangelho – o do
amor, do perdão, da salvação, da misericórdia, da graça. O Evangelho
de Jesus. Em jumento.
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