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sábado, 31 de maio de 2014

ORDINÁRIA OU INOCENTE?















Públio José – jornalista
publiojose@gmail.com

                       Um pacote de comerciais de televisão de um site de venda de produtos usados, utilizando vários bordões de cunho popularesco e agressivo, vem conquistando a atenção de telespectadores de todo o Brasil. O conteúdo produzido pela agência de propaganda que criou a série de filmetes já gerou, pelo inusitado, até uma interessante matéria analítica nas páginas da revista Veja. Realmente não é fácil criar uma série de comerciais de televisão de viés jocoso, debochado, agressivo – até ofensivo, como vem sendo empregado na propaganda em referência. Até porque o tom insultuoso é direcionado ao consumidor, ao cliente em potencial do site, ou seja, pessoas que têm um objeto usado qualquer, passível de venda, ainda indecisas em se desfazer do tal objeto. Um ator, escondido do pescoço para baixo, falando um texto curto, porém agressivo, dá voz à mercadoria em efeito produzido em perfeita sincronização.
                        Para modificar a constrangedora situação, o ator/objeto/usado é expelido de cena, tendo antes cumprido o seu papel: despertar no proprietário do objeto usado o desejo de se desvencilhar dele o mais rápido possível – para tanto se valendo, é claro, dos préstimos do anunciante. São vários os comerciais já produzidos, cada um deles apresentando um texto diferente. O que tem feito o Brasil se esbaldar é o que mostra o ator/objeto/usado chamando uma aturdida senhora de “ordinária” e “inocente”. Diz ele, lá pras tantas: “ordinária, sabe de nada, inocente!” No Brasil inteiro não se fala de outra coisa. De norte a sul, de leste a oeste, do Oiapoque ao Chuí, tal fraseado é repetido à exaustão nos mais diferentes ambientes, nas ocasiões mais diversas e por pessoas de nível social de A a Z. Por quê? O que motiva o Brasil inteiro a celebrar um conteúdo depreciativo, quando o normal seria censurá-lo e enviá-lo pras cucuias?
                        Será pela simples irreverência da situação? Ou o brasileiro pratica uma certa cafajestice inerente ao seu caráter? Teríamos, por aí, o tal “espírito macunaímico”, de que falam os estudiosos? O “inocente”, por seu turno, significaria indolência, omissão, alheamento? Macunaíma, célebre personagem de Mário de Andrade, caracterizado como um “herói sem nenhum caráter” retrataria também a índole “inocente” (omissa) como elemento da falta de caráter do povo brasileiro? Afinal, a inocência em referência é falta de caráter? Independente dessas análises de cunho sociológico, o fato é que o caráter dos comerciais tem tudo a ver com o espírito debochado, cínico, desavergonhado de Macunaíma. Valendo-se, então, do paralelismo entre a celebração ao comercial e outras questões nacionais, pode-se inferir perfeitamente o motivo pelo qual o brasileiro adota certos comportamentos.
                        Exemplos? Votar em macacos, rinocerontes, hipopótamos... E, por extensão, em Malufs, Sarneys, Tiriricas – e assemelhados. Alguém pode achar tal raciocínio exagerado, desproposital. Nelson Rodrigues não fez por menos ao retratar a sociedade brasileira na peça cujo título diz tudo: “Bonitinha, mas ordinária”. Ora, em um país cujos valores e princípios são espezinhados e amarfanhados a tal ponto que ninguém enxerga neles início e fim; em um país cujas principais lideranças políticas se enredam cada vez mais em atos de corrupção e outras práticas condenáveis; em um país cuja onda de violência vem atingindo níveis maiores do que em países em guerra civil; em um país cujas promessas de governo nunca devem ser levadas a sério; em um país... Ufa! Em um país assim, é natural soar engraçado o conteúdo que agride, que insulta. Mas, acalmemo-nos todos, ordinários e inocentes (ou não)! A Copa vem aí!    

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