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segunda-feira, 12 de maio de 2014

Coração Cervejeiro


Por Leonardo Sodré
Jornalista e escritor

Naquele dia de muitos ventos de agosto, meu coração resolveu bater diferente, forçando uma respiração ofegante e rápida. Cansado e com histórico de hipertensão arterial, não demorei em chegar ao hospital. Depois de alguns exames repetidos constatou-se que não havia enfarto, mas que eu corria risco de tê-lo um dia.
Dias depois estive no Bar do Mário. Fiquei sozinho na cadeira alta do balcão. Nesse dia tinham poucas pessoas e eu aproveitei para pensar no meu coração, que começava a dar sinais de fraqueza diante do meu estilo de vida. Lembrei-me de que um dia, quando eu ainda era um adolescente, estudante do Colégio Marista, um velho professor de yoga, durante uma palestra, disse que todas as pessoas precisavam de vez em quando dar um mergulho na alma. Refleti um bocado sobre o assunto.

Mário Barbosa passava arrastando um dos pés vez por outra e olhava intrigado para o meu silêncio, enquanto atendia clientes que iam chegando ou saindo. Somente uma vez se dirigiu a mim.

- A casa está lhe tratando bem? Quer mais alguma coisa?

Depois de me servir mais uma vez, continuou atendendo sua vasta clientela enquanto eu, movido pela curiosidade, pensava na admoestação do velho professor. Entendia que como somos feitos de espírito, alma e carne, obviamente o espírito me poderia “ligar” a um ou outro. Com a alma eu já tinha experiência. Tentei o coração, que me ameaçava deixar na mão. Pensei nele reclamando e ele não gostou muito.

- Ora, meu caro, você fuma, bebe, ama descontroladamente, se emociona mais do que menino pequeno e até com poesia matuta, sofre pelos outros e tudo isso é jogado em cima de mim, que há décadas me mantenho acordado e batendo feito um doido para lhe manter vivo! O que você queria? Estou cansado, querendo entupir...

- Mas, meu coração, as questões do amor estão diretamente ligadas ao seu departamento. Entendo que as emoções de fora significam uma carga além das suas atribuições, mas entenda, são os ossos do ofício. Você não vê todos os dias, nas novelas? A turma somente fala no coração. Meu coração isso, meu coração aquilo...

- É, mas se você se amasse mais do que ama, eu sofreria menos... Por isso, estou em processo de liquidação – sorriu o coração.

- Não ria! Veja que lhe compenso com taças de vinho – eu respondi aborrecido, passando na sua cara o tratamento recorrente.

- Concordo que vinho faz bem para mim – disse o coração.

- Ah! Pelos menos concordamos numa coisa...

O coração batia devagarzinho antes de falar comigo de novo. Devia estar com batimentos de atleta quando finalmente capitulou.

- Eu gosto mesmo é de cerveja!

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