Francisco Edilson Leite Pinto Junior
Professor, médico e escritor.
Querida tia Sônia,
Fiquei muito feliz com o seu telefonema, em pleno sábado de sol forte, antes de entrar no meu santuário - a sala de aula (sim! Sábado é também dia de labuta para quem ama o que faz). E faço essa carta por gratidão. É claro que segui o seu conselho: “leia o livro ‘A história de Mora’; sei que você vai gostar”... E saindo da Universidade, fui logo à livraria, peguei o livro e, já na fila antes de pagar, comecei a ler a encantadora história do político Ulisses Guimarães, na visão de sua amada esposa, Mora. Mora morena; Mora amada.
Interessante como eu me identifiquei em vários momentos desse livro, pois como o “Senhor diretas”, eu também quero morrer no mesmo dia da minha amada Viviane. Esta será a maior prova de amor que eu poderei dá-la! Eu também quero voltar - e quantas vezes voltar a essa vida-, já vindo casado com ela. Viviane sempre será o meu oxigênio e a minha glicose, tão necessários para a minha existência...
Realmente, o AMOR é a única coisa que vale a pena nesta vida... Por isso, foi feliz o autor quando, no final do livro, comparou o nosso Ulisses de Brasília, com o Ulisses da Grécia antiga, onde este último ao naufragar, tentando voltar para os braços da sua amada Penélope, ficou preso numa ilha com a ninfa Calipso, e esta ao tentar conquistá-lo, oferecendo-lhe de tudo, até mesmo a imortalidade, recebeu como resposta essa pérola: “Não quero o dom dos deuses. Sois infeliz por ser eterna. Só os mortais conhecem o amor”.
Pois é, cara tia Sônia! E como tem faltado amor nestes dias onde nunca poderia faltar, já que este sentimento é a própria essência da sua existência: a profissão médica. A medicina é a arte de amar. E nunca existirá medicina onde não existir amor! Sabedor disso, Pablo Picasso expressou em forma de pintura na sua tela: “Ciência e caridade”. E veja, cara tia Sônia, que as duas coisas podem sim andar juntas. Elas não são excludentes. A presença de uma não elimina a outra. Pelo contrário, elas se completam. E um médico só com a técnica, sem o amor, é uma doença terminal e incurável que faz adoecer as pessoas; já um médico com amor, mas sem a técnica, é uma doença a procura de cura e se souber encontrar o caminho - e for bem conduzido - conseguirá curar não só os outros, mas também a si mesmo...
Cara tia Sônia,
Volto ao livro de Mora, cujas quatro letras também podem formar a palavra amor, para lembrar a última e longa troca de olhar entre o “Senhor Impeachment” e a sua esposa amada, antes de eles morrerem juntos, em alto mar. Cara tia, aqui abro um parêntese para lhe fazer uma confissão: esta parte do livro me fez voltar ao passado e lembrar de um debate que aconteceu nas dependências do auditório central da UFRN. Era a campanha para governo do RN, em 1986. Três candidatos lutavam por esta vaga, e o tio João era um deles. No calor do debate, os outros dois candidatos queriam “arrancar a carótida e a jugular” de tio João... e ele, mesmo assim, ainda teve tempo de trocar um longo e belo olhar com você, tia, que estava na plateia. Nunca me esqueci desse momento e aprendi, naquele dia, que o polí tico, quando não se considera um deus imortal, é também capaz de amar...
Amar que combina com a palavra olhar. E olhar, que junto com o riso, podem significar a menor distância entre duas pessoas. Olhar e sorriso, outras duas coisas que muito têm faltando nos nossos consultórios médicos... Não olhamos e nem rimos mais durante uma consulta. Nem podemos! A rapidez do encontro (nos pagam mal, então temos que atender mais pacientes para poder sobreviver); as inúmeras ligações dos nossos celulares atendidas durante as consultas; o entra e sai da secretária trazendo papéis e mais papéis para a gente assinar dos convênios (que destrói não só as árvores da mata amazônica, mas também destrói coisas belas da nossa profissão); o som do teclado dos nossos computadores, etc. etc. tudo isso e muito mais não nos permitem essa troca de cumplicidade - olhar e sorrir-, nesse encontro íntimo entre dois es tranhos, o médico e o paciente...
Cara tia Sônia, curiosamente o código de ética médica tem na sua capa a imagem do deus Janus. O deus com duas faces, uma voltada para frente e outra para trás. Alguns interpretam essa dupla face, como o passado e o futuro, ou seja, devemos olhar para o futuro lembrando sempre de não cometer os erros do passado. Mas eu acredito que o deus Janus também tem outra interpretação, afinal cada um olha de seu jeito, não é mesmo? E a minha maneira de ver essa imagem é a seguinte: devemos olhar para frente, para fora; mas também devemos voltar o nosso olhar para trás, para dentro de nós... E como um ladrão de frases que me tornei - desde que resolvi escrever-, cara tia Sônia, vou agora roubar da senhora mesmo uma frase que encontrei nas suas “iluminuras” (o seu discurso de posse na Academia de L etras do RN): “Olha para dentro de ti, volve-te para ti mesmo, devolve para ti o teu espírito e a tua vontade”, afinal, neste momento nada melhor do que implorar: “Médicos, conhecem-te a ti mesmo!”. Ah! Minha cara tia Sônia, e como nós médicos precisamos fazer esse momento de intensa reflexão. É preciso esse momento de silêncio interior para perceber que o inimigo não mora em Cuba, mas sim dentro de cada um de nós...
Não sei se a senhora viu, nesta semana, a manchete do portal UOL: “Médico cubano volta a atender e é recebido com festa!”... E mesmo tendo se equivocado na receita e prescrito 40 gotas de dipirona, para um paciente que necessitaria de apenas metade dessa dosagem, o médico foi recebido com festa até pela mãe da criança, que ao invés de ter ido procurar um advogado para processá-lo, foi exatamente a sua maior defensora: “Ele é muito atencioso, nos examina com calma e explica tudo direito. É de médicos assim que estávamos precisando”...
Pois é, minha cara tia Sônia, o paciente suporta tudo, até receitas equivocadas, mas nunca, jamais, ele suportará uma coisa: a indiferença! E o que nos resta fazer neste momento, então, para mudarmos esse jogo que se encaminha para um resultado tão incerto e nebuloso? Para responder, recorro novamente a senhora, que iluminada, certa vez terminou a sua oração, pela boca da deusa Atena: “...Que a lide do bem, nos perpetue a vitória, pelos séculos afora...”. Que os médicos voltem a ser médicos, cara tia Sônia, apenas e simplesmente isso...
Um forte e carinhoso abraço, do seu sobrinho, que estará sempre a espera de seus conselhos,
Edilson Pinto
Professor, médico e escritor.
Querida tia Sônia,
Fiquei muito feliz com o seu telefonema, em pleno sábado de sol forte, antes de entrar no meu santuário - a sala de aula (sim! Sábado é também dia de labuta para quem ama o que faz). E faço essa carta por gratidão. É claro que segui o seu conselho: “leia o livro ‘A história de Mora’; sei que você vai gostar”... E saindo da Universidade, fui logo à livraria, peguei o livro e, já na fila antes de pagar, comecei a ler a encantadora história do político Ulisses Guimarães, na visão de sua amada esposa, Mora. Mora morena; Mora amada.
Interessante como eu me identifiquei em vários momentos desse livro, pois como o “Senhor diretas”, eu também quero morrer no mesmo dia da minha amada Viviane. Esta será a maior prova de amor que eu poderei dá-la! Eu também quero voltar - e quantas vezes voltar a essa vida-, já vindo casado com ela. Viviane sempre será o meu oxigênio e a minha glicose, tão necessários para a minha existência...
Realmente, o AMOR é a única coisa que vale a pena nesta vida... Por isso, foi feliz o autor quando, no final do livro, comparou o nosso Ulisses de Brasília, com o Ulisses da Grécia antiga, onde este último ao naufragar, tentando voltar para os braços da sua amada Penélope, ficou preso numa ilha com a ninfa Calipso, e esta ao tentar conquistá-lo, oferecendo-lhe de tudo, até mesmo a imortalidade, recebeu como resposta essa pérola: “Não quero o dom dos deuses. Sois infeliz por ser eterna. Só os mortais conhecem o amor”.
Pois é, cara tia Sônia! E como tem faltado amor nestes dias onde nunca poderia faltar, já que este sentimento é a própria essência da sua existência: a profissão médica. A medicina é a arte de amar. E nunca existirá medicina onde não existir amor! Sabedor disso, Pablo Picasso expressou em forma de pintura na sua tela: “Ciência e caridade”. E veja, cara tia Sônia, que as duas coisas podem sim andar juntas. Elas não são excludentes. A presença de uma não elimina a outra. Pelo contrário, elas se completam. E um médico só com a técnica, sem o amor, é uma doença terminal e incurável que faz adoecer as pessoas; já um médico com amor, mas sem a técnica, é uma doença a procura de cura e se souber encontrar o caminho - e for bem conduzido - conseguirá curar não só os outros, mas também a si mesmo...
Cara tia Sônia,
Volto ao livro de Mora, cujas quatro letras também podem formar a palavra amor, para lembrar a última e longa troca de olhar entre o “Senhor Impeachment” e a sua esposa amada, antes de eles morrerem juntos, em alto mar. Cara tia, aqui abro um parêntese para lhe fazer uma confissão: esta parte do livro me fez voltar ao passado e lembrar de um debate que aconteceu nas dependências do auditório central da UFRN. Era a campanha para governo do RN, em 1986. Três candidatos lutavam por esta vaga, e o tio João era um deles. No calor do debate, os outros dois candidatos queriam “arrancar a carótida e a jugular” de tio João... e ele, mesmo assim, ainda teve tempo de trocar um longo e belo olhar com você, tia, que estava na plateia. Nunca me esqueci desse momento e aprendi, naquele dia, que o polí tico, quando não se considera um deus imortal, é também capaz de amar...
Amar que combina com a palavra olhar. E olhar, que junto com o riso, podem significar a menor distância entre duas pessoas. Olhar e sorriso, outras duas coisas que muito têm faltando nos nossos consultórios médicos... Não olhamos e nem rimos mais durante uma consulta. Nem podemos! A rapidez do encontro (nos pagam mal, então temos que atender mais pacientes para poder sobreviver); as inúmeras ligações dos nossos celulares atendidas durante as consultas; o entra e sai da secretária trazendo papéis e mais papéis para a gente assinar dos convênios (que destrói não só as árvores da mata amazônica, mas também destrói coisas belas da nossa profissão); o som do teclado dos nossos computadores, etc. etc. tudo isso e muito mais não nos permitem essa troca de cumplicidade - olhar e sorrir-, nesse encontro íntimo entre dois es tranhos, o médico e o paciente...
Cara tia Sônia, curiosamente o código de ética médica tem na sua capa a imagem do deus Janus. O deus com duas faces, uma voltada para frente e outra para trás. Alguns interpretam essa dupla face, como o passado e o futuro, ou seja, devemos olhar para o futuro lembrando sempre de não cometer os erros do passado. Mas eu acredito que o deus Janus também tem outra interpretação, afinal cada um olha de seu jeito, não é mesmo? E a minha maneira de ver essa imagem é a seguinte: devemos olhar para frente, para fora; mas também devemos voltar o nosso olhar para trás, para dentro de nós... E como um ladrão de frases que me tornei - desde que resolvi escrever-, cara tia Sônia, vou agora roubar da senhora mesmo uma frase que encontrei nas suas “iluminuras” (o seu discurso de posse na Academia de L etras do RN): “Olha para dentro de ti, volve-te para ti mesmo, devolve para ti o teu espírito e a tua vontade”, afinal, neste momento nada melhor do que implorar: “Médicos, conhecem-te a ti mesmo!”. Ah! Minha cara tia Sônia, e como nós médicos precisamos fazer esse momento de intensa reflexão. É preciso esse momento de silêncio interior para perceber que o inimigo não mora em Cuba, mas sim dentro de cada um de nós...
Não sei se a senhora viu, nesta semana, a manchete do portal UOL: “Médico cubano volta a atender e é recebido com festa!”... E mesmo tendo se equivocado na receita e prescrito 40 gotas de dipirona, para um paciente que necessitaria de apenas metade dessa dosagem, o médico foi recebido com festa até pela mãe da criança, que ao invés de ter ido procurar um advogado para processá-lo, foi exatamente a sua maior defensora: “Ele é muito atencioso, nos examina com calma e explica tudo direito. É de médicos assim que estávamos precisando”...
Pois é, minha cara tia Sônia, o paciente suporta tudo, até receitas equivocadas, mas nunca, jamais, ele suportará uma coisa: a indiferença! E o que nos resta fazer neste momento, então, para mudarmos esse jogo que se encaminha para um resultado tão incerto e nebuloso? Para responder, recorro novamente a senhora, que iluminada, certa vez terminou a sua oração, pela boca da deusa Atena: “...Que a lide do bem, nos perpetue a vitória, pelos séculos afora...”. Que os médicos voltem a ser médicos, cara tia Sônia, apenas e simplesmente isso...
Um forte e carinhoso abraço, do seu sobrinho, que estará sempre a espera de seus conselhos,
Edilson Pinto
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