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domingo, 16 de dezembro de 2012

Manoel, o errante


Minervino Wanderley*

Manoel é que se pode chamar de “self made man”. Caçula de uma família de seis, ficou órfão de pai aos seis anos. A mãe, d. Hertha, teve que dar duro para sustentar a família, já que 'seu' Salim morreu sem deixar nada para a família. Aliás, deixou. Saudades, muitas saudades! D. Hertha trabalhava desde a manhã até à noite para colocar comida na mesa. Sobrou para Manoel, que cresceu sem ter os afagos e carinhos tão divinos e necessários de uma mãe.

E assim, Manoel encarou seu futuro. Sempre aprendendo na dura escola da vida. Como tinha uma certa habilidade para o futebol, as coisas se tornaram menos difíceis, pois havia um lugar na pelada e a diversão estava garantida. E ele seguiu em frente, pulando as barreiras que, com muita frequência, apareciam à sua frente. Conseguiu terminar o curso primário e foi para o ginasial com dez anos. Ginásio 7 de Setembro. Aí, amigo velho, a coisa empancou. Penou para sair do primeiro ano, e ficou no segundo um bom tempo. Perambulou por alguns colégios, mas não achava graça em nada. Até expulso foi. Manoel começava a mostrar seu desgosto com a vida.

Virou “hippie” e viajou em busca do sonho que ele criara em seus pensamentos. Nunca o achou. Voltou para casa, teve um acesso de lucidez, fez um supletivo e passou. O ginasial tinha ficado para trás. Empolgada, d. Elza colocou-o no Colégio Marista para fazer o científico e "pré". Chegou até o "pré', mas não suportou aquele ritmo “careta” que o levaria a fazer o vestibular, se formar e ser apenas mais um na multidão.

Ele queria mais e resolveu dar um passo maior. Botou na cabeça que seu destino era São Francisco, California, terra na qual tudo era permitido. E falou que iria caminhando igual ao cara do Johnnie Walker. Na verdade, ele queria mesmo era imitar os caras de "Perdidos na Noite", Dustin Hoffman e Jon Voight, no filmaço de John Schlesinger.

A decisão estava tomada. Mas, ("Mas" é de lascar! Tira a graça da coisa.) como não tinha uma prata no bolso, um cunhado o aconselhou a fazer um concurso, juntar dinheiro e, depois, partir para sua odisseia. Assim ele fez. Passou para os quadros do Banco do Brasil. Um glória pra todo mundo e uma chatice para Manoel. Tinha um porém nisso tudo. A grana que o BB pagava era respeitável, fato o que o colocava numa dúvida cruel: largar tudo e dar asas ao sonho ou ficar naquela de bancário? Mesmo a contragosto, optou por permanecer no emprego.

Um belo dia, já casado com uma moça de nome russo e de tradicional família, foi a São Francisco conhecer o seu sonho. Só que de avião. Primeira classe. Cheio de mimos. Tudo em ceu de brigadeiro. Depois, escolheu a Europa como seu destino de férias. Foi várias vezes. Tinha bom gosto, o cara. Parecia que a vida, já cansada de tanto flerte, estava abrindo os braços pra ele.

Mas Manoel não tinha jeito. Com quase 25 anos de serviço, pediu demissão e foi, mais uma vez, para a aventura da vida. Pena que ele tinha esquecido que os caminhos dessa vida que ele já conhecera eram muito tortuosos e cheios de armadilhas. E ele quase sucumbiu ante às adversidades. Ora, Manoel era um forte. Com a ajuda de amigos e parentes, refez-se das porradas, formou-se em Jornalismo e mostrou sua inteligência, o quinhão que lhe cabia na herança de d. Hertha.

Não tive mais notícias dele.  O que se sabe é que ele estava morando em frente a um bar em Lagoa Nova que, por sinal, tem um nome muito sugestivo para uma clínica de proctologia, estava solteiro outra vez, ainda correndo atrás da bola com seus ex-colegas do BB e pensando em ser evangélico.

Gente boa, Manoel. Como dizem que ele parou de beber, espero que ele esteja tomando, no lugar de whisky, pelo menos um pouco de juízo.

*Jornalista

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