Leonardo Sodré
Jornalista e escritor
Sentado na varanda da casa principal de sua fazenda, coronel Adrenalino mirava o Ford 29 zerinho que tinha mandado buscar em São Paulo. Orgulhava-se de poder ter comprado a “novidade” tão cara e que demorou um tempão para chegar. Sua propriedade era um exemplo de terra produtiva, mesmo embrenhada num sertão que sofria por conta dos grandes períodos de estiagem.
O fato é que seu tetravô, bisavô, avô e seu pai sempre se preocuparam com a seca e a fazenda era repleta de poços e açudes profundos. Não faltava água e até os vizinhos se beneficiavam nas épocas mais secas. Ele tinha quase tudo o que desejava inclusive uma esposa dedicada e muitos filhos saudáveis. Menos o amor de Ritinha. Ela era filha de uma antiga empregada da casa grande e, como ele, havia nascido na fazenda.
Quando crianças e adolescentes, sempre estavam juntos. Brincaram e cresceram à sombra dos muitos juazeiros que havia no pátio defronte a casa. Tomaram banhos de açude, colocaram armadilhas para caçar preás, enfim, eram – como se diz no sertão – “a casa e o botão”. Até para ir ao grupo escolar, iam juntos, pois seu pai, um homem letrado, permitia que os filhos dos seus empregados tivessem a mesma oportunidade de estudar, a exemplo do seu filho único. Até quando um grupo de cangaceiros ameaçou invadir a propriedade, se esconderam juntos e nesse esconderijo – quase adolescentes – experimentaram as primeiras carícias. Adrenalino sorriu baixinho, recostado na cadeira de balanço, enquanto pensava: “não vou me esquecer nunca daquele dia. Benditos cangaceiros!”.
Mas o tempo passou e Adrenalino foi instado a casar com a sua prima Isabel, que veio lá do Seridó e Ritinha ficou noiva e casou com Zé da Cerca, um vaqueiro da fazenda de muito boa índole, indo morar numa casa construída bem longe da sede, nos limites da imensa propriedade. Tinha sido idéia do seu velho pai, que sofria com constantes roubos de gado e com Zé da Cerca morando por lá, fatalmente inibiria os ladrões. Além do que, seu vaqueiro não era de levar desaforos para casa.
Adrenalino nunca esqueceu Ritinha e nas poucas vezes em que se encontraram, as trocas discretas de olhares foram significativas, como se voltassem no tempo da adolescência. Ele se consumia de desejos. Ela também. E, não foram poucas as vezes que Zé da Cerca pegou sua mulher com o olhar distante, como se esperasse alguém. Mas atribuía isso à solidão, devido ao local distante em que viviam.
Sem agüentar mais, o fazendeiro bolou um plano para ficar só com Ritinha, “pelo menos uma vez na vida”. Arranjou a venda de uma partida grande de gado para Mossoró e despachou o vaqueiro com a boiada. Ele teria que passar pelo menos uns cinco dias fora e no mesmo dia em que Zé da Cerca tomou o rumo em direção àquela cidade, o coronel armado de uma roupa nova e muita loção, aportou na frente da casa do seu vaqueiro no cair da tarde, fazendo um barulhão com a buzina do seu carro, que resfolegava dentro dos
inúmeros buracos das poucas trilhas da fazenda.
- Ritinha, estou passando para ver se está tudo bem. Daqui a pouco vou embora.
Ela, platinada com o resto de Sol que batia na varanda, abriu um sorriso maroto e discordou:
- Mas Coronel, está tão tarde para senhor voltar sozinho. Se achegue para comer um cuscuz com café bem quentinho e depois durma por aqui, no quarto dos meninos que estão na casa da avó.
Era tudo o que ele queria ouvir. Ficou, jantou, tomou café e por volta das sete horas foram dormir. Do seu quarto ele tossia. Como um código, ela tossia de volta e o festival de tossidas durou pelo menos uma hora por cima daquelas paredes que não vão até o telhado. Até que ela disse:
- Coronel...
Ele, suado e rígido de desejo, respondeu baixinho, com a voz rouca, tímida:
- Sim, Ritinha...
- Se quiser faltar com o respeito, falte logo que eu estou morrendo de sono!
Jornalista e escritor
Sentado na varanda da casa principal de sua fazenda, coronel Adrenalino mirava o Ford 29 zerinho que tinha mandado buscar em São Paulo. Orgulhava-se de poder ter comprado a “novidade” tão cara e que demorou um tempão para chegar. Sua propriedade era um exemplo de terra produtiva, mesmo embrenhada num sertão que sofria por conta dos grandes períodos de estiagem.
O fato é que seu tetravô, bisavô, avô e seu pai sempre se preocuparam com a seca e a fazenda era repleta de poços e açudes profundos. Não faltava água e até os vizinhos se beneficiavam nas épocas mais secas. Ele tinha quase tudo o que desejava inclusive uma esposa dedicada e muitos filhos saudáveis. Menos o amor de Ritinha. Ela era filha de uma antiga empregada da casa grande e, como ele, havia nascido na fazenda.
Quando crianças e adolescentes, sempre estavam juntos. Brincaram e cresceram à sombra dos muitos juazeiros que havia no pátio defronte a casa. Tomaram banhos de açude, colocaram armadilhas para caçar preás, enfim, eram – como se diz no sertão – “a casa e o botão”. Até para ir ao grupo escolar, iam juntos, pois seu pai, um homem letrado, permitia que os filhos dos seus empregados tivessem a mesma oportunidade de estudar, a exemplo do seu filho único. Até quando um grupo de cangaceiros ameaçou invadir a propriedade, se esconderam juntos e nesse esconderijo – quase adolescentes – experimentaram as primeiras carícias. Adrenalino sorriu baixinho, recostado na cadeira de balanço, enquanto pensava: “não vou me esquecer nunca daquele dia. Benditos cangaceiros!”.
Mas o tempo passou e Adrenalino foi instado a casar com a sua prima Isabel, que veio lá do Seridó e Ritinha ficou noiva e casou com Zé da Cerca, um vaqueiro da fazenda de muito boa índole, indo morar numa casa construída bem longe da sede, nos limites da imensa propriedade. Tinha sido idéia do seu velho pai, que sofria com constantes roubos de gado e com Zé da Cerca morando por lá, fatalmente inibiria os ladrões. Além do que, seu vaqueiro não era de levar desaforos para casa.
Adrenalino nunca esqueceu Ritinha e nas poucas vezes em que se encontraram, as trocas discretas de olhares foram significativas, como se voltassem no tempo da adolescência. Ele se consumia de desejos. Ela também. E, não foram poucas as vezes que Zé da Cerca pegou sua mulher com o olhar distante, como se esperasse alguém. Mas atribuía isso à solidão, devido ao local distante em que viviam.
Sem agüentar mais, o fazendeiro bolou um plano para ficar só com Ritinha, “pelo menos uma vez na vida”. Arranjou a venda de uma partida grande de gado para Mossoró e despachou o vaqueiro com a boiada. Ele teria que passar pelo menos uns cinco dias fora e no mesmo dia em que Zé da Cerca tomou o rumo em direção àquela cidade, o coronel armado de uma roupa nova e muita loção, aportou na frente da casa do seu vaqueiro no cair da tarde, fazendo um barulhão com a buzina do seu carro, que resfolegava dentro dos
inúmeros buracos das poucas trilhas da fazenda.
- Ritinha, estou passando para ver se está tudo bem. Daqui a pouco vou embora.
Ela, platinada com o resto de Sol que batia na varanda, abriu um sorriso maroto e discordou:
- Mas Coronel, está tão tarde para senhor voltar sozinho. Se achegue para comer um cuscuz com café bem quentinho e depois durma por aqui, no quarto dos meninos que estão na casa da avó.
Era tudo o que ele queria ouvir. Ficou, jantou, tomou café e por volta das sete horas foram dormir. Do seu quarto ele tossia. Como um código, ela tossia de volta e o festival de tossidas durou pelo menos uma hora por cima daquelas paredes que não vão até o telhado. Até que ela disse:
- Coronel...
Ele, suado e rígido de desejo, respondeu baixinho, com a voz rouca, tímida:
- Sim, Ritinha...
- Se quiser faltar com o respeito, falte logo que eu estou morrendo de sono!
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