Públio José – jornalista
(publiojose@gmail.com)
Um dos personagens de Shakespeare, contagiado pelo conteúdo filosófico que entremeia a obra do respeitável autor, sentenciou: “ser ou não ser, eis a questão”. Você conhece a frase, não é verdade? A partir dessa bela e sonora construção verbal, o mundo não foi mais o mesmo. Centenas e centenas de estudos, teses, trabalhos acadêmicos de toda ordem, encenações teatrais e cinematográficas foram centradas na tal afirmação. Sábios e filósofos gastaram horas e horas de seu tempo – e muita massa encefálica – para refletir, deduzir, aduzir e tentar concluir sobre tão profundo pensamento. Da África a Oceania, do Oriente ao Ocidente, do Oiapoque ao Chuí, nos mais diferentes rincões do planeta a afirmação shakespeariana ricocheteou na alma humana feito relâmpago riscando os céus, adentrando e queimando o intelecto dos homens, incomodando-os e transformando-se em um grande enigma.
Confesso que nunca parei para refletir com profundidade a respeito do seu conteúdo. Mas, de certo tempo para cá, diante da fragilidade dos conceitos produzidos pelo homem, diante da nossa pequenez em relação à grandeza que nos cerca, diante do grande número de perguntas, a grande maioria delas sem respostas, comecei a matutar sobre a questão. O que quis dizer o personagem, além do contexto do diálogo teatral em si? Será que a frase transcende ao seu tempo? Ou será que o conteúdo da frase está circunscrito ao período vivido pelos personagens? Aparentemente a frase é enigmática, misteriosa, profunda. Mas, afinal, para que serve o “ser ou não ser, eis a questão?” Ser o quê? Ou não ser o quê? Másculo, sabido, inteligente, dominador, ditatorial, sedutor, encantador, viril, político, competente, ter escrúpulo – ou não ter? Ser rico, pobre, articulador, bem sucedido, bonito, feio, conquistador?
Ou será que o personagem debatia-se, já naquele tempo, diante do conflito de conviver com a dura realidade do ter ou não ter, eis a questão? Como se sabe, o ser humano é cíclico. Cíclico no ódio que nutre por alguém, cíclico nos ciclos econômicos, políticos, sociais. O odiado de ontem é o idolatrado de hoje – e vice versa. As grandes verdades de outrora não são hoje tão verdadeiras assim. As grandes sentenças, inclusive do ponto de vista jurídico, sofrem contínuas modificações, atualizações e revisões. A Terra já foi tida como quadrada e o louco do Galileu quase que dança na fogueira da (santa?) Inquisição quando apresentou uma verdade diferente. Até a Medicina também cria e curte seus ciclos, apesar de trabalhar com a vida humana, matéria prima tão cara a todos nós. Os celebrados regimes e dietas de vinte anos atrás hoje são menosprezados e até evitados, enquanto novas fórmulas mágicas se sucedem apregoando uma nova verdade. Sacou como somos cíclicos, sazonais, inconstantes, periódicos?
Ultimamente tenho lido e ouvido os grandes arautos afirmarem que o homem é o que crê. Nos cursos de auto-ajuda, em seminários de motivação, nas empresas principalmente, a pregação agora gira em torno da necessidade de levantar sua auto-estima. “Você é grande” berra o novo atalaia; “você pode” esgrima o grande profissional desse emergente mercado. Agora, com esse novo ciclo, temos três realidades distintas a analisar: a turma que defende o ter ou não ter, eis a questão; os que, sonhadoramente, continuam a se inclinar sobre a máxima shakespeariana do ser ou não ser, eis a questão; e os que travam uma batalha contemporânea bastante intensa para fixarem na mente popular que a vantagem está no crer ou não crer, eis a questão. E agora, qual a sua opção? Você é pelo que tem, você é pelo que é ou você é pelo que crê?
Tudo isso, aparentemente, pode até ser visto como uma questão banal, mas na verdade a escolha representa uma grande diferença na sua qualidade de vida. O ter é a celebração do materialismo, do consumismo, do egoísmo, de uma concepção de vida baseada na concorrência exacerbada, no ganhar – sempre. O ser é o caminho que lhe leva a concentrar todas as suas ações no seu próprio eu. “Eu sou bom”, “eu sou caridoso”, “eu sou isso”, “eu sou aquilo”... Já o crer é a construção de uma vida lastreada na existência de um Ser superior, um Deus que, pela fé, se revela amoroso, redentor, maior do que você, maior do que os seus problemas e com quem você convive, se quiser, em perfeita harmonia – para vantagem sua. Porque quando o homem não entende um processo, um fenômeno vem o conflito interior, a angústia, a grande indagação. Nessas horas o ter pouco adianta, o ser pouco esclarece, enquanto o crer acalenta, tranqüiliza, revigora, fortalece – e explica. Eu já decidi: no crer reside a grande diferença. Vai embarcar nessa também?
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