Públio José – jornalista
(publiojose@gmail.com)
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A Inglaterra viveu um período extraordinário de sua existência entre os séculos XVIII e XIX, no qual a eclosão de fenômenos sociais e políticos reverberaram pelo mundo, mudando a face de sistemas políticos e inaugurando a fase pré Revolução Industrial – na qual as primeiras invenções deram as caras e lançaram os países numa incomum onda de competição. A Inglaterra nadava em dinheiro, fruto de um intenso comércio exterior tornado realidade pela excelência de sua estrutura naval e dos pesados encargos financeiros que impunha aos povos de suas inúmeras colônias. Era o primeiro país a se capacitar ao título de potência mundial de então, detentora, além do mais, de abundantes reservas de ferro, carvão mineral, alumínio, forte sistema bancário – e presença planetária. Daí se dizer, com orgulho em solo inglês, e também pelo resto do mundo, que no império de Sua Majestade o sol nunca se punha.
Vem desse período, ainda anterior à Revolução Industrial, um movimento chamado luddismo, surgido do descontrole de Ned Ludd, um tecelão que, em momento de aguda revolta pelas desumanas condições de trabalho impostas aos trabalhadores britânicos, arrebenta a máquina na qual fiava, despedaçando-a com uma marreta. O luddismo se espalhou velozmente pelos centros industriais ingleses e marcou com suas cenas de violência e quebra-quebra os primeiro momentos do que mais tarde viria a ser a Revolução Industrial. Um pouco adiante, já século XIX, outro movimento defende melhores condições de trabalho para o operário inglês, porém de conteúdo e atuação diferentes. Fundado por William Lovett, este movimento foi denominado de cartismo em razão da publicação de uma carta enviada ao Parlamento na qual eram expostos motivos e argumentos da luta em prol da classe trabalhadora.
O cartismo buscou desde o início o diálogo com o Parlamento e com os demais setores representativos da sociedade inglesa, procurando respeitar as regras e normas vigentes até então, porém tentando modificá-las na defesa dos direitos da mão de obra que dava existência à potência econômica na qual a Inglaterra se transformara. Analisando-se o cartismo, vê-se em William Lovett um primor de liderança surgida em meio a um conturbado momento de luta de classes. Nele, a regra de ouro era a busca do caminho do diálogo e respeito às leis para atingir os objetivos que almejava. Não à toa se vê hoje o grau de maturidade alcançado pela democracia inglesa, na qual uma monarquia convive em harmonia com um parlamento plebeu, um primeiro ministro que realmente é quem manda – e uma Câmara (a dos Lordes) que não delibera mais nada de importante na vida dos súditos de Sua Majestade.
Esse traço marcante, inerente a certas lideranças – de atingir objetivos pelas vias institucionais – tem feito a diferença na vida das nações. Agora mesmo, na crise da Ucrânia, vê-se um líder russo que invade outro país utilizando soldados mascarados, carros de combate e tanques sem placas de identificação, comportamento mais afeto a mafiosos tresloucados do que ao mandatário de uma nação do porte da Rússia. Nesse quesito, Brasil, Venezuela e tantos outros são exemplos da entronização de capatazes que espezinham leis, valores e instituições para alcance de seus interesses – custe o que custar. Na história das nações democráticas líderes de visão cartista deixaram sua marca – e fincaram nelas a bandeira do humanismo, da civilidade. Por aqui, pelo que se vê, são raros. Quase inexistentes. Ou existirão? Se assim for, onde estão os nossos cartistas? Olho no microscópio, cara pálida. No microscópio...
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